sexta-feira, 7 de março de 2008

As pessoas boazinhas

"Ele era sacana, mas um sacana da pior espécie: nunca se chegava a descobrir o sacana que ele era."

Prakash Sonawane

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As pessoas boazinhas incomodam-me. Arrepiam-me. Assustam-me. Metem-me medo.
Não estou a falar de pessoas genuinamente amáveis, educadas e de boa índole, que também têm os seus maus momentos, graças a Deus, o que as torna mais humanas. Não. Estou a falar daquelas criaturas aparentemente muito amáveis, aparentemente muito educadas, aparentemente de muito boa índole. Aparentemente tudo muito bom e tudo perfeito.
As pessoas boazinhas são normalmente pessoas de aparência frágil e que se fazem passar por criaturas frágeis que precisam sempre de apoio e protecção.
A geometria do corpo e a postura encobrem a bestialidade do seu interior. São dóceis e meladas como só elas sabem ser. Tocam muito, abraçam muito, amam toda a gente, fazem imensas coisas boas, são tidas e respeitadas por toda a gente e nunca ninguém teve algo que lhes apontar. Trazem escondida no rosto, uma linha equatorial quase imperceptível; para os mais perspicazes será a linha que lhes dirá que o olhar e o sorriso não estão em sintonia na expressão.
As pessoas boazinhas passam pela vida em segredo, quase nunca são descobertas porque ninguém está para se maçar a fazer análises microscópicas de palavras, gestos e atitudes. Vão destruindo tudo à sua volta, de mansinho e em silêncio, sem que alguém se aperceba.
Em caso de se sentirem forçadas a uma abordagem mais directa, têm sempre alibi e não há nunca testemunhas que possam repetir o que foi dito. Farão qualquer coisa, e muito bem feita, para que o seu pequeno reinado não termine nunca. São por isso capazes das piores patifarias, mas não se enganem, patifarias essas acompanhadas dos maiores gestos de bondade para que, em caso de possíveis interrogações, a dúvida seja imediatamente dissipada.
As pessoas que são gente boa e de bom coração que me perdoem. Eu falo de pessoas boazinhas. E, para vos ser franca, é por isso que gosto de filhos da puta. Não o filho da puta rude, que manda bocas, que dá opinião (sempre destrutiva) quando ninguém lhe pergunta nada, e que está sempre a criticar. Esse não é um filho da puta; é um cobarde a tentar desviar atenções de um possível e enorme complexo de inferioridade.
Estou a falar do verdadeiro filho da puta. Aquele gajo que diz o que pensa quando lhe é perguntado e a olhar-nos de frente e nos olhos, que não se inibe face à verdade, que se conhece, se assume e que é o primeiro a avisar os outros de que é isso que ele é na realidade.
Ninguém lhes quer bem, estão na boca de toda a gente e sempre na ordem do dia, mas isso não os impede de travarem as suas batalhas sózinhos, sem nunca se mostrarem frágeis ou a precisarem de protecção para conseguir os seus intentos. São igualmente capazes das piores patifarias, são os primeiros a dizer que o fizeram, e inclusivé antes de o fazer, avisam as pessoas boazinhas : Vou foder o gajo! que por acaso o escutam e que sempre, sempre se esquecem de avisar o gajo que vai ser fodido (de quem são muito amigas) , mas que são as primeiras a tocar à campainha do coçado para lhe lamber as feridas...
Os filhos da puta, os verdadeiros, são os únicos que nos deixam fugir deles enquanto podemos. Essa liberdade é a maior dádiva que qualquer ser humano em consciência pode conceder a um outro: a hipótese da fuga.
A estes últimos, aqui lhes deixo o meu bem-haja.
Às pessoas boazinhas... que lambam os beiços. A alma é como o cabelo e as árvores; volta a crescer. Mas não se esqueçam: um dia é da caça, outro é do caçador. Até um dia destes."
Eyes of China Blue

I'll kill her, Sokko

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