quarta-feira, 23 de julho de 2008

7. Os indefesos









Patric Shaw
"Os indefesos são uma raça à parte. Criaturas que se acham pequenas ou nem tanto, quando na verdade nada sabem acerca do seu tamanho. Difícil arriscar a análise ou tecer considerações, senão vejamos... vou tentar.

Os indefesos são bons por natureza mas péssimos no que concerne à concretização correcta da sua personalidade quando aplicada aos restantes humanos do planeta. Dizem sim ao que não querem e não ao que gostariam de fazer, movimentando-se consoante o tipo de pessoas presente e/ou contextos. Não percebo se por educação ou medo, se pela necessidade de serem estimados, ou muito simplesmente por prezarem em demasia a opinião dos outros. Vivem horrorizados que deixem de ser gostados, e acreditam piamente que se escolherem bem as palavras que agradem ao seu semelhante estarão a ser bons cristãos e a ser gente. Acaba por ser triste. Mas como eu disse, são bons por natureza, o problema é andarem sempre a resvalar na falta de sinceridade sem serem falsos - alguns de nós gostam dos outros sinceros doa a quem doer, independentemente do peso das palavras; deveria ser assim na minha opinião, dentro dos limites de certas regras básicas de 'higiene' social e respeito pela vida alheia.

Nunca somos inocentes nem quando nascemos, usamos vendas durante muito tempo ou não queremos ver, mas a percepção da maldade à nossa volta está lá, ou não tivéssemos nós instintos porque somos animais. Não se poderia passar de outra forma com estes desgraçados que tal como nós, de inocentes não têm nada. A sua atitude, ou aliás, a ausência desta, é uma escolha bem pensada; não é falta de vivência nem imaturidade. Vêm tudo muito bem mas fazem de conta que não; têm tempo de sobra para grandes reflexões por serem normalmente calados e, sem aparente reacção, esperam pacientemente que o tempo tudo leve sem terem que mostrar quem são. O que interessa é agradar a gregos e a troianos, e que a vida corra em estado de graça.

O que pensam? O que querem? O que sentem?, não o sabemos. Nem eles próprios o saberão, por estarem demasiado ocupados a tentar fazer o que acham ser melhor para não ferir susceptibilidades e não desiludir alguém. Deixam-nos maravilhados com a sua calma e bondade, são incapazes de se defenderem ou de dizerem o que acham e o que sentem ou de fazer mal a quem quer que seja propositadamente, encantam-nos com o mistério em que se envolvem sem se revelarem - tudo isto faz parte do charme com que se 'vestem'. Com eles não só é preciso ter faro como olho de águia: altamente adaptáveis e pródigos em argumentos sabiamente rudimentares de modo a parecerem-nos verdadeiros, deixam-nos na dúvida. E todos nós gostamos de acreditar no melhor que há no Homem.

Infelizmente, têm um igual potencial para causar o caos e à medida que o tempo passa vão deixando pontas soltas aqui e ali, como rastos de luz, começando a desapontar os outros ou a dar-lhes as certezas do que tanto duvidaram. Estão tramados. Porventura maus alunos a História, ficaram sem perceber muito bem o que aconteceu em Tróia e desconhecem a definição da palavra cilada. Não conseguem assimilar que dualidade não é só luta interior dentro de nós, mas também aquilo que nós somos versus aquilo que mostramos aos outros sermos. Custa-lhes a acreditar que chegou a hora da verdade e de optar, e que os outros se cansam desse jogo do gato e do rato que deixa de ter piada quando a vida por si só já pesa tanto. Consideram a escolha de dizerem o que querem, como querem, quando querem e quem são afinal, um ataque pessoal à sua privacidade. Chegando a adultos maduros sofrem horrores mais do que o que deviam se não tivessem sido parvos e são frequentemente abandonados. Só anos mais tarde perceberão o que foram perdendo ao longo da vida. Talvez no dia em que já não forem mais confrontados com o mundo mas consigo mesmos, num pensamento qualquer do género 'Onde foi que me perdi dentro de mim?'.

A estas pessoas falta-lhes sempre qualquer coisa que é directamente proporcional à capacidade enorme que têm, de poderem ser algo grande.


Mas não adianta pressioná-los. É amá-los, defende-los ou deixá-los. Talvez com o tempo o que têm de melhor, e que é muito, venha à tona da água como casta de bom azeite. Chamem-lhe o que quiserem, fracos ou emocionalmente descompesados. A mim rebentam-me com os nervos e enchem-me de adrenalina e ternura. Porque gosto destas criaturas? Porque são anjos que precisam de anjos da guarda especializados. Porque são verdadeiros artistas. Com eles tudo pode acontecer: têm nas mãos a oportunidade de se transformar em alguém que valha a pena, tantas vezes quantas as probabilidades num lançamento de dados. Porque é essa a sua essência, oscilando entre a dualidade, a adaptabilidade e o não saberem quem são, podem ser quem decidirem ser: Anjos, Proscritos, Caçadores, Profetas, Jogadores, Guerreiros ou manterem-se Indefesos eternamente se conseguirem e assim quiserem. São estes os Sete tipos de pessoas, na minha opinião, divinas, que acredito valer a pena conhecer na vida. Perdoem-me as outras que não me sabem a nada.


Considero mesmo que os indecisos são o Prelúdio de algo grandioso. São o Início da Criação. E como eu disse lá atrás, todos nós gostamos de acreditar no melhor que há no Homem."
Eyes of China Blue

Cello Suite #1, Prelúdio de Bach, Michael Hedges

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