segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

É preciso desistir

"As coisas que nos fazem felizes trazem-nos infelicidade, mas só quando se vão embora é que nos tornam tristes."


Sunil Tambe
"Quantas vezes não se morre durante a vida? A ideia deve ser morrer sem ser surpreendido, morrer sem estranhar, morrer como durante os treinos. Com pouca vontade, talvez, mas habituado."



"Insistimos ao longo da vida em arranjar soluções. Soluções para problemas, desgostos, frustações e tristezas. É ao procurar estas soluções que nos tornamos mais problemáticos, mais desgostosos, frustados e tristes. Não queremos nem por nada ver que a solução só é passível de existir quando alguma questão é colocada. Isto é matemática.
Mas um facto não pode ser nunca uma questão. É um facto e não necessita de soluções. Basta-se a si próprio, existe por si, imutável. A verdade, é que é difícil aceitarmos certos factos na nossa vida. É essa verdade que é difícil de ver, difícil de aceitar. Nem tão pouco a queremos ver. O que nós queremos realmente é que seja possível alterar o facto. E damos connosco a dar murros em ponta de faca, consecutivamente, enraivecidos e sentindo-nos injustiçados. Queremos morrer, quase que morremos dessa angústia trazida por uma impotência imensa e morremos de facto milhares de vezes ao longo da nossa vida sem o percebermos.
Queremos mudar o facto porque simplesmente não aceitamos. A vida, o que os outros nos fazem, a falta de lealdade, o pouco amor que achamos que nos dão, a falta de gestos grandiosos, o queremos mais qualquer coisa para além do 'suficiente mais'.
Encostamo-nos a uma janela, chove lá fora, tudo está em perfeita sintonia com o que sentimos e assim continuamos a debatermo-nos e à procura de soluções. A resposta está à nossa frente, clara e transparente como a água que escorre no vidro ou as lágrimas na cara: chove, facto, imutável.
Quando o facto surge, já não há nada a fazer. O facto é como uma qualquer grandeza física que já foi descoberta e que rege os nossos movimentos no tempo e no espaço restando-nos a procura de possíveis aplicações no futuro, com a sua descoberta.
A única coisa possível é a sabedoria de vermos com antecedência, na altura certa, a questão que se poderá pôr e consequente resolução. Antes da chegada do facto. Porque um facto, é de facto, a resolução de um qualquer problema que existiu, a resposta que já está dada. A um problema que não vimos chegar, de tão entretidos que estávamos a resolver outros sem resolução. Ou até o vimos chegar e mesmo assim não foi possível fazer algo, para além de o gritar. Ao mundo ou a alguém.
Foi esta grande verdade que descobri ontem enquanto tinha as maiores dores de estômago que alguma vez tive na vida. Foi o corpo a dar-me a resposta para a alma, poderia dizer. Porque me debato, porque sofro, porque resisto? Porque insisto?
Desistir é, sem dúvida, a única dignidade possível. É aí que nos libertamos das coisas ou que estas deixam simplesmente de existir. Outro amanhã virá em que será preciso desistir de novo.
É por isso que hoje digo, com lucidez e convicção, desisto. Olhando-te nos olhos enquanto bebemos vinho e sorrimos."
Eyes of China Blue



Sunil Tambe
"Eu vou te contar, que tu não me conheces...
E eu tenho que gritar isso porque tu estás surdo e não me ouves!
A sedução escraviza-me a ti ...
Ao fim de tudo tu permaneces comigo, mais preso ao que eu criei e não a mim.
E quanto mais falo sobre a verdade inteira, um abismo maior nos separa...
Tu não tens um nome , eu tenho...

Tu és um rosto na multidão , e eu sou o centro das atenções ,
mas a mentira da aparência do que eu sou,
é a mentira da aparência do que tu és.
Porque eu , eu não sou o meu nome, e tu não és ninguém...
O jogo perigoso que eu pratico aqui,
busca a chegar ao limite possível da aproximação.
Através da aceitação da distância, e do reconhecimento dela.
Entre eu e tu existe a notícia que nos separa ...
Eu quero que tu me vejas nua , eu me dispo da notícia.

E a minha nudez parada , te denuncia, e te espelha...
Eu me relato, tu me delatas...
Eu nos acuso, e confesso por nós.
Assim, me livro das palavras,
Com as quais tu me vestes."
Laura Baptista Leite para Maria Bethânia (trad)


Jeito estúpido de te amar, Maria Bethânia

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