quarta-feira, 22 de outubro de 2008

1. Ensaio sobre o 6º pecado mortal

1-Lara Jade Coton; 2-Laura Layera
"No oitavo dia sentímos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma

grande cidade que haja um apartamento fechado
em alguns de seus milhares de

edifícios
; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma

mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho?

Entretanto a cidade, que
durante uns dois ou três dias parecia nos haver

esquecido, voltava subitamente a
atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze

vezes, calava-se alguns minutos,
voltava a chamar; assim três, quatro vezes

sucessivas. Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra
vez;

experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais


forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos

quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse


para a rua, para a sua
vida, nos deixasse em nossa felicidade que

fluía num encantamento constante.
Eu sentia dentro de mim,

doce, essa espécie
de saturação boa, como um veneno que

tonteia, como se meus cabelos já tivessem o
cheiro de seus

cabelos, como se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha.

Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do
amor, eles tendiam a se parecer no mesmo

repetido jogo lânguido, e
uma vez, que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz,

eu a contemplava tão pura e nua,
ela disse: Meu Deus, seus olhos estão esverdeando."
Rubem Braga



Concentric, The Swell Season

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