domingo, 10 de agosto de 2008

Por detrás das palavras







Eyes of China Blue










" 'Por vezes ao acordar, sinto que a minha alma não cabe no corpo'.
Ela disse isto e depois calou-se, como se fosse ficar assim para sempre, como se tivesse esgotado tudo o que lhe restava para dizer até ao fim da vida.(...)
'O que significa isso?'
A mulher olhou-o com uma espécie de estranhamento. Ele tentou soltar-se daquele olhar. Cobriu o tronco com o lençol. 'Fiz alguma coisa que não devia?'(...)
Ela continuou: 'Sinto que o corpo me aperta a alma, sei lá, que está curto entendes?, como se tivesse adormecido com 15 anos e acordasse aos 25 ainda com a mesma roupa. Sinto uma grande vontade de despir este corpo e ficar com a alma exposta, inteiramente nua.'
Trazia as unhas pintadas de negro. Ele reparou nisso vagamente inquieto.(...)
Naquelas unhas pintadas de negro havia alguma coisa de ameaça - como nos ruídos do mato. O corpo da mulher era longo e liso, semelhante ao de um peixe, e de alguma forma, igualmente impossível de aprisionar. Uma luz escura fluía dela com de um rio ao entardecer. O homem saltou da cama. O que podia dizer? 'Não compreendo as mulheres.'
Podia ter dito isto, alguma coisa deste género, mas seria demasiado óbvio. Sentou-se em silêncio, no canto mais afastado do quarto, e acendeu um cigarro.(...)
'Vou deixar de fumar.' "
José Eduardo Agualusa, Catálogo de Sombras

Soneto de Amor Total, Vinicius de Moraes por Bethânia

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