sexta-feira, 16 de maio de 2008

Emoções e indigestões

"O animal é fundamentalmente um ser de falta de necessidades, de desejos, sempre em procura e em
errância. Quanto mais rica é a vida animal, mais forte é a marca existencial da necessidade e do desejo.
O animal tornado soberano de todos os animais - o Homo Sapiens - é não só o animal menos acabado e
mais desprovido, como também um ser de necessidades insaciáveis e de desejos infinitos..."
Edgar Moran


Peter van Nugteren

"Quando era menina costumava comer flores. Fazia isso por puro fervor estético. Queria devorar a beleza. Não podendo provar os arcos-íris, as estrelas, o lume dos relâmpagos, as nuvens rubras, contaminadas pela luz melancólica dos crepúsculos - comia flores. Uma tarde, em Anjuna, Goa, no grande quintal da casa do meu avô paterno, descobri umas flores azuis, minúsculas, cujas pétalas de seda, brilhavam com o mesmo tom profundo do Oceano Índico nas tardes de sol. Eram amargas, com um forte sabor a terra, mas comi-as todas. Aquilo fez-me mal."
Faíza Hayat, O Evangelho segundo a Serpente

Kaelin Eating Edible Flowers


Hannes Caspar

"Muito sinceramente, há alturas em que me canso bestialmente de toda esta treta das emoções, especialmente se forem emoções causadas por terceiros e não aquelas que experimento dentro de mim, causadas por mim e pelos meus delírios. Essas costumam ser boas, ao contrário daquelas causadas pelos outros, que por muito maravilhosas e únicas que aparentemente sejam, me deixam sempre com um travo amargo na boca, como no dia a seguir a uma noite de copos, e com a sensação de flutuar no vazio ou, pior ainda, de me encontrar no convés de um navio, no meio de uma tempestade, como nos filmes.
Em geral, depois de uma grande emoção, fico com a sensação de querer vomitar a alma, as entranhas ou o que quer que seja que trago dentro de mim. E acreditem que já 'vomitei' pelo menos uma centena de vezes ao longo da vida. Pergunto-me até que ponto valerá a pena. O que é certo é que esta é, sem dúvida, uma das coisas que parecemos nunca aprender. Ou talvez seja uma inexplicável atracção pelo enjoo.
Houve uma altura em que ainda acreditei que a indigestão de uma emoção poderia ser directamente proporcional à rapidez e euforia da entrega. Descobri mais tarde estar errada pois tudo o que é bom de saborear, tudo aquilo que é mesmo bom saborear, é impossível ser feito lentamente, muito embora na teoria faça todo o sentido. O que nos impede de o fazer só pode ser o acharmos que se não nos entregarmos e devorarmos a emoção, esta pode escorrer-nos pelos dedos e desaparecer simplesmente,como um gelado num dia de Verão a 40 graus e às 3 da tarde.
Já tive mais dores de estômago e de barriga provocadas por uma daquelas emoções a sério, do que aquelas provocadas por uma belíssima e pesada feijoada; a única coisa que me consola é que lhe tirei igual proveito.
Mas este tipo de enjoos e indigestões, seguramente não se tratam com um simples Gorozan ou continuando no dia seguinte a beber finos. Quando muito, podemos seguir uma dieta à base de grelhados, batata cozida e verdurinhas, se é que me faço entender. Mas caímos sempre na asneira, ou talvez sejamos impotentes para nos libertarmos desta atracção por este belo-horrível que é a emoção. Talvez não haja sabedoria que nos valha neste aspecto.

Quero não gostar-te mas não consigo. Há beleza em ti e eu quero devorar toda a tua beleza.
O melhor é continuar 'comendo flores'. E esperar que um dia as enjooe de vez."
Eyes of China Blue

Voltige por Pierre A.F.

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