terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Gorduras e consequências
V. Ivanovsky
"Divagar sobre a importância da gordura não deveria ser de todo difícil. Na verdade, só existem dois tipos de pessoas para quem este assunto adquire ou deveria adquirir proporções dramáticas: as que a têm em demasia e as que gostariam de a ter. Pessoalmente, prefiro as primeiras, pela candura e ternura inconfundíveis no seu jeito de ser; a voz traz outros sons e ressonâncias e o sorriso ilumina sem dúvida os espaços. Tudo é grande, até a forma de se darem. E os abraços.
Sabemos que a beleza está em todo o lado dependendo de quem observa e sente. Que tudo é belo quando assim o queremos ver. E mesmo que não o acreditássemos, repeti- lo-íamos nas mesas dos cafés, aos amigos e vizinhos, às colegas de trabalho, quantas vezes as vezes que esta verdade nos tem sido divulgada pelos media de modo a prevenir futuras e exponenciais anorexias.
Quanto a mim, há quase 20 anos que a gordura que me acompanha é sempre a mesma. Pouca, é certo, mas nunca me abandonou nem me deixou ficar mal, quando muito encolheu em momentos de tristeza. Pensando bem, a pouca gordura que tenho deve ser, de facto, a única coisa estável da minha vida.
Por isto e outros motivos,nunca percebi o delírio acerca desta matéria. Há já dias que isto não me saí da cabeça e hoje decidi reflectir.
Desconfio que a culpa é da Tabela Periódica... Exactamente, da Tabela Periódica. E do ser humano que tem a péssima mania de tudo catalogar em termos de estética, seja qual for o objecto, real ou não, que estiver a ser avaliado. A Tabela Periódica nem é assim tão grande, mas contém todos os elementos de que tudo é feito, deixando para a imaginação de quem olha para ela e à dedicação dos estudiosos, saber em que formas seus compostos e derivados se nos vão apresentar. E todos queremos uma forma que agrade. Porquê esta mania e porque é a mesma em todos nós? Senão reparem, a grafite. Acinzentada, cor de burro quando foge, não se vê nem se repara..., mas o composto não é um isótopo do diamante?, do diamante!, não é demais?, eu sempre gostei de lápis, lembram-se?, na escola primária?, ah! a grafite, que lindo!... Tudo tem que ser belo. Porquê? Porque não gostar de algo pejado de fealdade, sabê-lo assim tão feio em consciência e gostá-lo de qualquer modo, incondicionalmente?
A Tabela Periódica nada mais é do que o resumo da Natureza rabiscada e simplificada num pedaço de papel e a Natureza é o álbum de fotografias. É caprichosa, criativa e exerce em nós um inexplicável fascínio. Essa grande feitiçeira faz-nos crer que nela tudo é belo; mesmo a mais horrível das criaturas acaba sempre por ser fofinha ou se não é fofinha, é engraçada e se não é engraçada, as cores são de morrer e se não é nada disto, são tão estranhas... que giro... Talvez tudo isto aconteça para que a grande roda que é a cadeia alimentar se perpetue no tempo e todas as espécies sobrevivam; bichos há, que já teriam sido mortos à paulada de tão feios que são ( e não por outras razões) mas há sempre alguém a tomar o seu partido e a achá-los bonitos. Se temos consciência de que haverá sempre um ser humano a achar que algo é belo, porquê esta importância que é dada à gordura, ou à forma ter que ser a esteticamente correcta? O que é que nos aflige em nós? A nossa gordura? O outro ver a nossa gordura? Que nos interessa a maneira como o outro vê a nossa forma? Inventam-se dietas e idas a psicólogos, correrias ao ginásio à hora de almoço sem ter comido nadinha, antes e depois de uma data de cigarros, depois de um dia de trabalho, a uma qualquer hora do dia por muito mortos de cansaço que já estejamos... e tudo para manter a forma. Porque no fundo sabemos que o que nos incomoda não é a nossa forma, essa habituámo-nos a ela; tenho o nariz comprido e não me incomoda nada, é meu amigo de há anos, e se sou baixinha sou sim e com muito gosto, que se sou pequenina por fora, por dentro tenho um metro e noventa, e se os meus olhos não são azuis, são castanhos pois concerteza, que também o é o tronco das árvores para que o resto possa ser verde, que é tão bonito!...
Desconfio que a culpa é da forma do outro... Ou da forma como aqueles que nos estão próximos, reparam na forma do outro... Essa é que é a grande verdade. A forma do outro está-nos atravessada na garganta, especialmente se for o marido a ver, e se essa forma for a de outra pessoa e não a nossa. Ou se o mulherio tiver elogiado os bíceps do colega de trabalho... quem é que o gajo pensa que é? Fazem-se lipoaspirações porque o que nos incomoda mesmo é as pernas da vizinha... aquela ordinária! Pela forma dos outros, que normalmente não conhecemos de lado nenhum, somos capazes das piores patifarias, de desgastar o corpo, de o pôr a passar fome , de darmos cabo da cabeça e eventualmente acabarmos internados num sanatório ou nalgum hospício, (na pior das hipóteses num caixão), por causa da gordura ou da ausência dela. Da dos outros e não da nossa. Agora percebo porque há tanta gente preocupada com isto. De facto é dramático. Ainda há dias me contaram que uma relação de há anos tinha terminado, porque o respectivo estava muito preocupado com o facto de outra pessoa que não a respectiva querer engordar ou emagrecer, já não me recordo, o palerma!
Portanto, vamos lá a tratar da nossa forma para os outros verem e sermos um pouquinho mais amados, que afinal isto não é para brincadeira! E eu que nunca tinha pensado nisto! Bolas !!! Ainda bem que sou magrinha........
Mas tenho que pensar..., vou mudar o quê?... Oh, não vou nada... ainda alguém me diz que sou tola... e ele gosta de mim assim."
Eyes of China Blue
Beauty is not how skinny you can be
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